domingo, 31 de julho de 2011

Miséria persiste em 30 das 200 cidades com PIB mais alto

São Paulo, domingo, 31 de julho de 2011





Miséria persiste em 30 das 200 cidades com PIB mais alto

Esses municípios, em geral de pequeno porte, concentram grandes empreendimentos, mas poucas vagas são criadas

Além disso, de acordo com Sheila Zani, do IBGE, riqueza produzida na cidade nem sempre é absorvida por ela

ANTÔNIO GOIS
PEDRO SOARES
DO RIO

Olhando apenas para a atividade econômica, o município de São Desidério parece uma ilha de prosperidade no extremo oeste da Bahia.
A intensiva produção de algodão, soja e milho faz a cidade, de 28 mil habitantes, se orgulhar de ter a segunda maior produção agropecuária do país, e o 112º PIB per capita (soma de bens e serviços produzidos, dividida pelo total de habitantes) entre os 5.564 municípios brasileiros.
Essa aparente riqueza, no entanto, não se traduz em bons indicadores sociais.
Tal contradição se repete em municípios onde a riqueza é gerada por empreendimentos industriais ou lavouras de exportação que concentram renda e criam relativamente poucos empregos.
De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, 30% da população de São Desidério, por exemplo, vive em domicílios com renda média per capita inferior a R$ 70, linha de miséria do governo federal.
Comparando o PIB per capita, o município está entre os 2% mais ricos do país. Analisando a miséria, figura entre os 20% mais pobres.
Uma análise feita pela Folha nos indicadores sociais dos 200 municípios de maior PIB per capita mostra que São Desidério não é um caso isolado. Em 30 dessas cidades, a proporção de brasileiros vivendo com menos de R$ 70 per capita fica acima da média nacional, de 9,6%.
A maioria desses municípios é de pequeno porte, mas concentra grandes empreendimentos, o que explica que o PIB per capita seja elevado.
Entre as características mais comuns deste grupo estão atividades ligadas à indústria de petróleo (dez casos), cultivo de soja ou grãos (oito) e hidrelétricas (cinco).
Segundo Júlio Miragaya, economista do Conselho Federal de Economia, essas atividades geram muita riqueza, mas empregam pouco.
José Ribeiro, economista e demógrafo da OIT (Organização Internacional do Trabalho), concorda: "É importante desmistificar a ideia dos grandes empreendimentos como agentes exclusivos do desenvolvimento".
Sheila Zani, responsável pelo cálculo do PIB municipal do IBGE, faz outra ponderação: nem sempre a riqueza gerada é absorvida pela cidade. "Muitos dos empregados mais qualificados moram em grandes centros, onde a é renda absorvida."
Se não há necessariamente geração de emprego local, algumas dessas cidades ao menos deveriam se beneficiar de arrecadação maior. "Mas a gestão municipal não consegue reverter o montante expressivo de impostos na melhoria das condições de vida", diz Ribeiro, da OIT.
Em São Desidério, é fácil entender por que o PIB não se traduz em bem-estar. Há grandes fazendas com lavouras mecanizadas. Os donos moram em outras cidades e chegam de avião. A riqueza fica na mão de poucos e vai para fora da cidade.
ANÁLISE

Indicador econômico não reflete desenvolvimento com clareza


GUILHERME MERCÊS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os 30 municípios de alto PIB e miséria possuem as seguintes características em comum: são pequenos em termos populacionais e sede de empreendimentos altamente rentáveis. Eles se dividem em dois grupos.
O primeiro, com 20 cidades, tem como principal gerador de PIB indústrias altamente intensivas em capital com itens de altíssimo valor agregado, como hidrelétricas, conversores e transmissores de energia, exploração e refino de petróleo, extração e beneficiamento de minérios e minerais ou portos.
O segundo, com dez municípios, possui as grandes lavouras brasileiras de soja, algodão, milho e a pecuária.
Utilizar apenas indicadores econômicos tais como o PIB per capita pode não refletir com clareza o grau de desenvolvimento desses municípios.
Pelo IFDM (Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal), por exemplo, pode-se avaliar indicadores municipais de saúde, educação, emprego e renda.
A despeito de seu PIB, nenhum dos municípios analisados obteve índice maior do que a média nacional. Mas não podemos dizer que não houve benefício algum, principalmente se levarmos em consideração a região do entorno desses municípios.
Especificamente em educação, sete deles apresentaram grau de desenvolvimento muito próximo ou superior à média nacional.
É importante mencionar também que todos os 30 apresentaram melhorias na evolução de seus indicadores de educação entre 2000 e 2007.
Observando apenas a área de saúde, seis apresentaram nível de desenvolvimento acima do índice nacional.
Por fim, embora todos possuam PIB per capita bastante elevado por causa de atividades intensivas em capital, só quatro dos 30 mostraram força na vertente emprego e renda em 2007, que analisa o mercado de trabalho formal.
Isso significa que, mesmo com um alto PIB, o mercado formal de trabalho na maior parte desses municípios não está se beneficiando da geração dessa riqueza.

GUILHERME MERCÊS, economista, é gerente de estudos econômicos da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).
Falta água, afirma morador de cidade do topo do ranking

PEDRO LEAL FONSECA

ENVIADO ESPECIAL A SÃO FRANCISCO DO CONDE (BA)
PEDRO SOARES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO REAL (RJ)


Antônio Serra, 75, mora em casa de taipa, de dois cômodos, no vilarejo de Porto de Brotas, em São Francisco do Conde (85 km de Salvador). Pescador, solteiro, pai de 16 filhos, ele mostra, decepcionado, adesivo da prefeitura na porta que indica a promessa de uma casa nova.
"Há 40 anos que me prometem. Nunca fizeram." Sua realidade contrasta com o fato de a cidade ter o maior PIB per capita do país. "Ninguém aqui tem água encanada." O Porto de Brotas é vizinho da refinaria Landulfo Alves, da Petrobras -que representa 60% da arrecadação do município e o levou ao topo do ranking do PIB per capita.
Marta Meira se mudou há um ano com quatro filhos, marido, pai e mãe para Porto Real (123 km do Rio), o segundo maior PIB per capita.
Veio atrás de "tranquilidade" para criar os filhos.
Próximas no ranking do PIB, as cidades se distanciam quando se leva em conta a renda. A atividade econômica explica a diferença: refino emprega pouco, e indústria automobilística cria uma cadeia de fornecedores.

Veja galeria de fotos de São Francisco do Conde folha.com.br/fg3907

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