terça-feira, 25 de novembro de 2014

Sobre os "condomínios fechados"

Os “condomínios fechados” em face da repartição constitucional de competências

24 de novembro de 2014

Por Victor Carvalho Pinto*
A expansão urbana por meio de condomínios horizontais, compostos por terrenos particulares de uso privativo e áreas de uso comum reservadas ao uso compartilhado dos condôminos, tem sido uma tendência recente da urbanização brasileira.
Esse modelo de desenvolvimento urbano vem aos poucos substituindo o tradicional loteamento, em que não há qualquer vínculo jurídico entre os lotes e as áreas de lazer são bens de uso comum do povo, abertos à fruição da população em geral, seja ela residente ou não no loteamento.
Outro fenômeno conexo, mas distinto, diz respeito aos chamados “loteamentos fechados”. Trata-se de loteamentos propriamente ditos, mas cujos logradouros são concedidos a uma associação de moradores, que assume sua conservação, em troca de um controle sobre quem pode ou não acessá-los.
Em ambos os casos, restringe-se a circulação de pessoas estranhas ao assentamento; no condomínio horizontal, o sistema viário e as áreas livres são particulares, enquanto no loteamento fechado, são públicos, mas de acesso restrito aos moradores.
Apesar de sua ampla disseminação, os condomínios horizontais não estão explicitamente previstos em nenhuma lei federal. A Lei do parcelamento do solo urbano determina que a expansão urbana se dê exclusivamente sobre a forma de loteamento, cujo produto final é o “lote”, ou seja, o terreno “destinado à edificação”, “servido de infraestrutura básica” e “cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe” (art. 2º, §§ 1º e 4º, da Lei 6.766/1979).
Por sua vez, a Lei de condomínios em edificações e incorporações imobiliárias e o Código Civil, no capítulo relativo ao “condomínio edilício”, somente admitem unidades autônomas constituídas por edificações ou partes de edificações (art. 1º da Lei 4.591/1964 e art. 1.331 da Lei 10.406/2002). Em nenhuma lei federal há menção, portanto, ao chamado “condomínio horizontal” ou “condomínio de lotes”. Essa figura somente é encontrada em algumas leis municipais, muitas das quais editadas anteriormente à Constituição.
A questão que se coloca nesses casos é se os Municípios têm competência para instituir uma nova forma de expansão urbana e se, na hipótese de uma resposta positiva, se essa seria uma matéria reservada ao plano diretor. Trata-se, portanto, de uma questão de direito constitucional, que deverá ser elucidada pelo Supremo Tribunal Federal.
Daí a importância do RE 607.940, em que se discute a constitucionalidade da Lei Complementar Distrital nº 710, de 2005, que disciplinou os chamados “condomínios fechados”. O recurso foi proposto pelo Ministério Público do DF contra acórdão do Tribunal de Justiça que julgou improcedente, pelo voto majoritário de nove contra quatro desembargadores, ação direta de inconstitucionalidade proposta contra a referida Lei, sob o argumento de que a matéria somente poderia ser disciplinada pelo plano diretor. Ao disciplinar os condomínios fechados por meio de lei extravagante, não fundamentada em estudos urbanísticos globais e elaborada sem participação da população, o Distrito Federal teria violado a obrigatoriedade do plano diretor.
O fundamento dessa tese encontra-se nos parágrafos do art. 182 da Constituição, segundo os quais, “o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana” (§ 1º).
Andamento do julgamento no STF foi interrompido após pedido de vista do ministro Luiz Fux
O STF reconheceu a existência de repercussão geral relativa ao tema 348: “Plano diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”. O relator do caso, Ministro Teori Zavaski, negou provimento ao recurso, tendo sido acompanhado pelo Ministro Roberto Barroso. Em seguida, o Ministro Marco Aurélio abriu a dissidência, por considerar a lei distrital inconstitucional. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do Ministro Luiz Fux.
O relator considera que “a lei distrital dispôs, na verdade, a respeito de uma forma diferenciada de parcelamento de solos particulares fechados, tratando da economia interna desses espaços e tratando dos requisitos urbanísticos mínimos que eles deverão conter”. A distinção entre essa nova forma de parcelamento e o tradicional loteamento residiria na “possibilidade de fechamento físico e da consequente limitação de acesso da área a ser loteada” e na “transferência aos condôminos dos encargos correspondentes”.
Em sua interpretação, a competência para disciplinar o parcelamento do solo urbano é propriamente municipal (art. 30, VIII, da Constituição), não se confundindo com a competência para suplementar as normas federais gerais de direito urbanístico (arts. 24, I, e 30, II, da Constituição).
No que diz respeito à obrigatoriedade do plano diretor, entende que “nem toda matéria urbanística deve estar necessariamente contida nesse plano, cujo conteúdo material não tem delimitação objetivamente estanque no texto constitucional”. Ressalva, no entanto, que o zoneamento da cidade, indicativo das áreas em que seriam admitidos os condomínios fechados, deve integrar o plano diretor.
O Ministro Zavaski conclui o voto com a seguinte ementa:
 “É legítima, sob o aspecto formal e material, a Lei Complementar Distrital nº 710/2005, que dispôs sobre uma forma diferenciada de ocupação e parcelamento do solo urbano em loteamentos fechados, tratando da disciplina interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos mínimos a serem neles observados.”
A prevalecer esse voto, ficará assegurada a prerrogativa dos municípios para instituir “formas diferenciadas de ocupação e parcelamento do solo”, ao arrepio do que dispõe a legislação federal, o que terá por consequência a consagração do condomínio fechado como alternativa legítima ao loteamento.
Zavascki considerou legítima a Lei Complementar Distrital nº 710/2005. Se o entendimento for majoritário, o condomínio fechado será alternativa legítima ao loteamento.
A Constituição de 1988 reservou à União a competência para legislar sobre normas gerais de direito urbanístico, cabendo aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios suplementá-las (arts. 24, I, e parágrafos, cc art. 30, II, da Constituição).
A competência privativa do município constante do art. 30, VIII, não diz respeito ao regime jurídico em abstrato do parcelamento do solo, objeto da lei federal, mas à indicação em concreto das áreas em que ele será admitido ou mesmo tornado obrigatório. Na dicção do texto constitucional, trata-se de realizar “planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”, para “promover adequado ordenamento territorial”, competência a ser exercida por meio do Plano Diretor, “instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana” (art. 182, § 1º). Cabe aos municípios e ao Distrito Federal, portanto, planejar e controlar o parcelamento do solo, determinando, por meio do plano diretor, as áreas suscetíveis de urbanização.
A matéria reservada ao plano diretor não pode, por sua vez, ser veiculada por outros atos legislativos, como a lei complementar em questão. Os planos urbanísticos devem ser elaborados segundo um procedimento administrativo específico, que institucionalize do urbanismo, do modo a assegurar sua fundamentação técnica e legitimação política. Ainda que devam ser aprovados pela Câmara Municipal, os planos não se confundem com leis em sentido material, pois carecem de generalidade e abstração. Quando muito, podem ser considerados leis de efeitos concretos, ou seja, atos administrativos revestidos de forma legal.
*Victor Carvalho Pinto é consultor legislativo do Senado Federal na área de Desenvolvimento Urbano, doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo e autor do livro “Direito Urbanístico: Plano Diretor e Direito de Propriedade”, em 4ª edição (Revista dos Tribunais, 2014).

Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br/exame-OAB/os-condominios-fechados-em-face-da-reparticao-constitucional-de-competencias/

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